Primeira infância em situações de trauma: escuta, acolhimento e formação

Artigo escrito por Josilaine Fucks, educadora do Instituto Teko Porã e Valentina Pasinato, Gerente de projetos
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Dentre as vítimas da catástrofe climática de maio de 2024 no Rio Grande do Sul estavam as crianças da primeira infância (0-7 anos). Em contextos de crise e emergência, as experiências traumáticas para as crianças dessa faixa etária são algo que elas vivenciam, mas não conseguem compreender. Entende-se que quanto mais nova for a criança no momento dessa experiência complexa e intensa, pode-se tornar as consequências desse evento, afetando diretamente no seu desenvolvimento e seu bem-estar biopsicossocial.

Nessa faixa etária, os sintomas do evento traumatizante são possíveis de serem visualizados no organismo da criança. Verificamos desórdenes no sistema neurossensorial, rítmico e metabólico motor. O organismo está respondendo ao pico de estresse extremo. Comportamentos, hábitos, gestos, movimentos dentre outras manifestações da criança se mostram desequilibrados. Por isso, os cuidadores, professores e outros profissionais acabam desempenhando um papel de referência e, portanto, são figuras fundamentais no suporte e posterior reorganização dos sistemas afetados mencionados acima após uma situação de crise e/ou emergência.

Para executar esse tipo de trabalho, é essencial, também, a compreensão de que o trauma é contagioso, dessa forma, todo profissional que lida com o público que experiencia alta vulnerabilidade e situações de trauma, está exposto a essas circunstâncias e dessa forma está diretamente propenso a absorvê-los. Isso requer um preparo e cuidado tanto pessoal quanto profissional, a nível de instituição que atende esse público.

Pensando nisso, o Instituto Teko Porã iniciou um ciclo de capacitação no Rio Grande do Sul em 2024 com apoio da B3 Social, intitulado Introdução à Primeira Infância em Situações de Trauma. Esse ciclo de capacitação teve como objetivo capacitar esses profissionais para o acolhimento adequado de crianças de 0 a 7 anos vítimas de eventos traumáticos, sejam eles naturais ou resultantes de violência. Oferecendo uma compreensão mais profunda do trauma e ferramentas práticas baseadas nos métodos das Neurociências, Pedagogia de Emergência, Pedagogia do Trauma e Pedagogia Waldorf. A capacitação foi dividida em duas etapas interligadas: Etapa 1 – Cuidar de Quem Cuida e Etapa 2- Cuidando da Primeira Infância.

Esse ciclo formativo foi particularmente relevante por ter ocorrido em 2024, em um período posterior às enchentes que afetaram o estado. Diante dos impactos emocionais vividos nas instituições de atendimento, os encontros buscaram oferecer um espaço de acolhimento e cuidado para os profissionais, favorecendo a escuta, o reconhecimento dos efeitos do trauma secundário, a prevenção do desgaste emocional para esse profissional, a introdução dos efeitos do trauma no desenvolvimento infantil, além de práticas para atuar frente à essas crianças.

Se pudesse deixar um recado para quem atua com a primeira infância em situações de vulnerabilidade, qual seria?

Acreditamos que todos que escolheram atuar nessa área, carregam muito mais do que um compromisso profissional que inicia em determinado horário e termina igualmente com hora marcada. Os efeitos de lidar com a dor, com o sofrimento e com as fragilidades de outro ser humano pode ter impactos profundos também em nossa forma de ver a vida. É necessário muito preparo interior e apoio coletivo de equipe e institucional para poder entregar o melhor de nossas capacidades àqueles que necessitam de nosso trabalho sem também nos atentarmos. Mesmo diante de situações complexas, sabemos o valor de nossas abordagens: temos consciência que o que impacta na vida de quem sofre um ou recorrentes traumas não é o evento em si, mas sim como aquele ser humano foi acolhido após o ocorrido. Proporcionar ambientes seguros, amigáveis, acolhedores para as crianças é um compromisso com a infância, seguros de que vamos amparar da melhor maneira possível um recomeço.

De mãos dadas com quem cuida, a gente segue promovendo espaços seguros e recomeços possíveis.

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